segunda-feira, 30 de abril de 2012

Deixa ...

Eu só quero que você deixe...
Deixa eu olhar nos teus olhos e fazer você mergulhar na minha alma.
Olhar para ela vai fazer você entender que o alguém que preciso é você.
O abraço que eu procuro em outros abraços eu descobri que é o teu.
Dos beijos em que já me perdi e te perdi, o melhor foi teu.
Os arrepios que meu corpo sentiu, o melhor foram os gerados pelos lábios teus.
Deixa-te ser meu. Pois assumo que há nesse coração um desejo dele ser teu.
Meu amigo, meu companheiro, meu herdeiro.
Herda meu coração, faz dele uma morada tua.
Permita-se habitar meu ser e preencher meus dias.
Desfaz minhas angústias com teu humor, com tua magia.
Deixa eu ser o que devia ter sido e não fui, porque o tempo de antes eu não fui o que devia ser e agora desejo que percebas e que me permitas ser o que devia ser e não fui.
Desejo ser teu bem querer.

(Juliana Cordeiro, in 30 de abril de 2012)





Este post é especialmente dedicado a J.Vinicius.






"Preciso de paciência porque sou vários caminhos, inclusive o fatal beco-sem-saída." (Clarice Lispector)

domingo, 29 de abril de 2012

Dose Clariceana nº 1

O primeiro beijo



Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.

- Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar? Ele foi simples:


- Sim, já beijei antes uma mulher.



- Quem era ela? perguntou com dor.



Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.



O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir - era tão bom. A concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros.



E mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o barulho do motor, rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! como deixava a garganta seca.



E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de reunida na boca ardente engulia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era morna, porém, a saliva, e não tirava a sede. Uma sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo.



A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio dia tornara-se quente e árida e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a pouca saliva que pacientemente juntava.



E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de deserto? Tentou por instantes mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar, esperar. Talvez minutos apenas, enquanto sua sede era de anos.



Não sabia como e por que mas agora se sentia mais perto da água, pressentia-a mais próxima, e seus olhos saltavam para fora da janela procurando a estrada, penetrando entre os arbustos, espreitando, farejando.



O instinto animal dentro dele não errara: na curva inesperada da estrada, entre arbustos estava... o chafariz de onde brotava num filete a água sonhada. O ônibus parou, todos estavam com sede mas ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos.



De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito até a barriga. Era a vida voltando, e com esta encharcou todo o seu interior arenoso até se saciar. Agora podia abrir os olhos.



Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o e viu que era a estátua de uma mulher e que era da boca da mulher que saía a água. Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole sentira nos lábios um contato gélido, mais frio do que a água.



E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher de pedra. A vida havia jorrado dessa boca, de uma boca para outra.



Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não é de uma mulher que sai o líquido vivificador, o líquido germinador da vida... Olhou a estátua nua.



Ele a havia beijado.



Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva. Deu um passo para trás ou para frente, nem sabia mais o que fazia. Perturbado, atônito, percebeu que uma parte de seu corpo, sempre antes relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e isso nunca lhe tinha acontecido.



Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de coração batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A vida era inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto. Perplexo, num equilíbrio frágil.



Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele a verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes jamais sentido: ele...



Ele se tornara homem.



(LISPECTOR, Clarice. Felicidade Clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998)

Inquietações

Estranho seria se em algum momento eu não me desse conta do que não fiz.
Tenho me dado conta dos meus feitos e sentido uma necessidade enorme de refazer meus passos e consertar minhas inquietudes.
Meu ser prolixo que ora me exalta e ora me desfalece.
Minha escrita tantas vezes incompreendida, que escoa e escorre pelos ralos de uma rede que não tenho dimensão dos mares que alcança, balança muitos pescadores nesse mar infinito.
Letras, literaturas e sistemas linguísticos que me sugam todo o ser e que me consomem num frenesi hermético do qual sou presa fácil, do qual me rendo, me lanço e me devoro.
Páginas nas quais eu mergulharia um dia inteiro se pudesse me suster apenas das palavras.
Inquieta-me poder ter de ir desbravando horizontes a cada dia; há vários universos para descobrir.
A descoberta tem sido esmiuçada.
Desatei nós e adornei meus cestos com belas fitas de cetim.
Ganhei as chaves de um universo em que dou acesso aos que tem mérito e aos que me convencem de que entraram para ficar, mas que tem a porta da sala sempre aberta para poder ir e voltar.



Sobre ausências e vazios

Ter de desfazer de si, de seus escritos não é tarefa fácil quando se tem nas palavras uma âncora, um espelho e um punhal.
Tive me desfazer do que já fui, do que já senti e do que já escrevi.
Precisei me aniquilar, me borrar e ter me refazer pra poder ir lapidando-me.
Penso que o molde está pronto, as escolhas estão feitas.
As sementes que ora semeei já não fazem mais parte deste universo febril que há em mim, outrora eram invernos incessantes e uma lareira morna a aquecer meu vazios; agora são dias primaveris.
Há sempre uma maçã vermelha sobre a mesa, um vaso com flores na janela e um sol radiante todas as manhãs.
Os pássaros vem me acordar e a lua banha meus sonhos.
Os serafins tocam suas harpas e um cupido vive a me rondar flexando-me a todo instante em que me deparo com um livro na mão.
Não deixei de ser quem sou, apenas decidi o que preciso ser.